Nossa Clínica recupera 70% de usuários de drogas com raiz africana
Segundo a Anvisa, a importação, desde que para uso pessoal e amparada pela prescrição de um médico, é legalizada. Assim como o uso da raiz em infusão na água quente, "por não se tratar de uma substância proibida", diz nota do órgão. Histórias semelhantes são comuns no centro de tratamento para dependentes químicos, que não recebe pacientes indispostos a largar do vício. "Ninguém fica recluso aqui, a pessoa tem de querer sair desta vida. Eles se hospedam em hotéis ou casas de parentes", explica Souza. Ali, homens e mulheres relatam "sonhos acordados", tremedeira e sonolência após a administração das doses, feita de segunda a sexta. "A ibogaína reseta o cérebro. Mas fazemos um trabalho psicológico pós-tratamento, pedindo para que a pessoas evitem os hábitos que podem levar de volta à adicção", conta Souza. A raiz era usada em rituais da religião Bouiti, em países como Camarões e Gabão, como processo de purificação, onde o voluntário comia meio quilo da raiz in natura e fazia uma viagem ao “mundo dos mortos”. Era um coma induzido. Em 1962, o americano Howard Lotsof, então com 19 anos e viciado em heroína, comprou a raiz de um traficante em busca de uma viagem ainda mais psicodélica. Acabou perdendo o interesse pelas drogas e, ao constatar o mesmo efeito nos amigos, patenteou na Holanda o uso da substância em tratamentos. A ibogaína altera os batimentos cardíacos, o que restringe o uso para pacientes com este tipo de problema. "Pesquisas mostram que a iboga tem um estímulo elétrico parecido com a fase REM [quando ocorrem os sonhos mais vívidos] do sono, mas acordado", explica Souza. A eficácia do medicamento animou também a ciência. No entanto, o argumento muda. A raiz é, sim, alucinógena, diz o coordenador da primeira pesquisa com base científica feita com a ibogaína no Brasil, o médico psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Mas ele reconhece que o percentual de sucesso é realmente impressionante. “Acompanhamos um grupo de 75 pessoas que passaram pelo tratamento com ibogaína. Destes, 51% largaram a droga de dependência, os melhores [tratamentos] têm 35%. Esse resultado foi bastante animador como preliminar. Mas vamos propor uma continuidade”, projeta Silveira que, com 35 anos de experiência no tratamento de dependentes químicos, não costuma se impressionar com qualquer coisa. Sobre o fato de algumas pessoas estarem se valendo do chá da raiz em tratamento com dependentes, e não da cápsula, Silveira faz uma ressalva. “Acho delicado: quando está lidando com um chá, não sabe a proporção dos componente, não controla dose. É contra-indicada para pacientes com problemas cardíacos”, alerta. Além disso, é desancoselhado o uso em pacientes com transtorno mental como a esquizofrenia. Anwar Jeewa, 53 anos, é um médico indiano radicado na África do Sul e considerado o “papa da iboga” por semear o conhecimento sobre a raiz. Jeewa, que há 16 anos se livrou de drogas como heroína e crack sem o uso da raiz, avisa: a ibogaína é a maneira mais fácil para interromper todo tipo de adicção. Mas ele, fumante, diz que a raiz não se trata de uma cura para os dependentes químicos. “Muitas pessoas não deixam de usar o tabaco por que não querem. Mas se você tiver a consciência de querer largar o vício, a ibogaína te ajuda. Não é minha intenção largar o cigarro. Ibogaína não é cura, mas sim o primeiro passo de um tratamento”, vaticina o papa entre um cigarro e outro. Jeewa não aceita o argumento de que a raiz é alucinógena, mas sim indutora de sonhos. “Você sonha por cinco minutos, no máximo, por noite. Ao tomar a iboga, você consegue sonhar 12 horas. Foi provado em pesquisas 'escaneando' o cérebro de pacientes, que este sonho renova a mente”, explica Jeewa. Para o pesquisador da Unifesp, o Brasil poderia tomar medidas para colocar a ibogaína em circulação no mercado. “Precisa que se diminua este tipo de preconceito de trabalhar com substâncias alucinógenas. Qual o problema de se tratar uma criança com um remédio derivado da maconha? A discussão é muito acalorada. Para uso terapêutico, nos países de primeiro mundo, é banal [a pesquisa com alucinógenos]. Aqui fica com briga burocrática, coisa de idade média”, lamenta.